
Meu entrevistado é o diretor português Edgar Pêra, conhecido como o alquimista do cinema português. Pêra também é um artista plástico e um artista de quadrinhos gráficos e escreve ensaios de ficção e cinema. Estudou Psicologia, mas mudou para Cinema no Conservatório Nacional Português, atualmente Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa.
JP – Olá Edgar! O que você poderia comentar sobre o seu filme Não Sou Nada?
Não Sou Nada é o culminar de anos e anos de leituras desse Poeta dos Eus Infinitos, que foi (e é) Fernando Pessoa. A partir dessas leituras imaginamos um Nothingness Club, um Clube do Nada, onde todos os seus heterônimos se materializaram. Trabalham para o “Boss” Pessoa, no intuito de terminarem as múltiplas obras projetadas por Pessoa, mas nunca concretizadas. Daí nasce uma luta pelo poder autoral protagonizada pelo seu rival futurista Álvaro de Campos, e a narrativa assume então os contornos de um filme de serial killer.
JP – O que mais lhe fascina em Fernando Pessoa?
Pessoa não era um serial killer, mas era um “serial writer”. Não só criou diferentes autores dentro de si mesmo como lhes atribuiu obras e vidas diferentes. Álvaro de Campos, por exemplo, não foi apenas o poeta ultrajante e futurista, pelo qual ficou conhecido, teve quatro fases distintas, com obras totalmente diferentes entre si. O “Drama em Gente” de Pessoa é, talvez, a maior criação literária do século XX. E como se costuma dizer, antes de haver Facebook, Pessoa já criava perfis falsos 🙂
JP – Quando você começou a se interessar em ser cineasta? Como se deu a sua formação?
Aos 13 anos, logo depois da revolução, vi com o meu irmão o “Belle de Jour”, de Luis Buñuel, e o “Roma”, de Fellini. Percebi que o cinema podia ser, afinal, qualquer coisa. Era um imenso território de liberdade. Houve também no Liceu uma professora de português que nos incentivava a ver filmes de vanguarda. Depois, um dia, era eu aluno de psicologia, vi que abriram as inscrições para a escola de Cinema, e a minha vida mudou. Desde então nunca mais parei de fazer filmes. Quer tivesse apoio financeiro para os fazer ou não.
JP – O que mais lhe fascina na sétima arte?
Os filmes que mais me fascinam, são aqueles que estabelecem um diálogo comigo, que não se esgotam num primeiro visionamento, que nos pedem para regressar. Tal como alguém que acabámos de conhecer e queremos continuar a conversa no dia seguinte. Todos os meus filmes são compostos de imensos pormenores (quer na imagem, quer no som) que compõem um todo, que deve ser compreendido durante a primeira exibição, mas que só são totalmente perceptíveis ao fim de vários visionamentos.
JP – Quais são as suas principais referências (teóricas e práticas) no campo da cinematografia?
Evito usar referências nos meus filmes. O único filme cinéfilo que fiz foi “O Barão” (a primeira de muitos longas-metragens produzidas pelo meu amigo e camarada, o realizador Rodrigo Areias) . Abandonei muito rapidamente a cinefilia, porque aquilo que me interessa é criar filmes a partir da minha imaginação e da interação com técnicos e atores durante a rodagem. Mas para mim a linguagem do cinema é a montagem, daí a importância de Eisenstein e Vertov quando estava a estudar cinema.
JP – Como você avalia a produção cinematográfica portuguesa?
O cinema feito em Portugal é um jardim exótico, com imensas árvores raras. É um milagre podermos criar filmes em liberdade (a partir do momento em que conseguimos um apoio, claro).
JP – Quais são os seus projetos futuros?
Estreamos o ano passado em Locarno, “Cartas Telepáticas”, sobre Pessoa e Lovecraft, feito exclusivamente com imagens IA e estamos neste momento a montar “Guerrilha no Asfalto”, sobre a ressaca da revolução em Portugal. Foi ótimo voltar a filmar à mão com uma câmera Bolex 16mm, regressando aos meus tempos iniciais de guerrilha cinematográfica!