
Minha convidada dessa semana é a produtora musical Flavia Tygel. Nascida no Rio, formada em Comunicação e apaixonada por música desde os 12 anos. Em nosso bate-papo ela fala, entre outras coisas, das diferenças entre criar trilhas para TV, Cinema e Teatro. Confira!
JP – Olá Flavia! Onde vc nasceu? Sua família? Infância? Formação primária e secundária?
Sou carioca, filha de pai e mãe professores, família materna radicada em Minas Gerais, ou seja, muito musical e pra se ter uma ideia, até hino de família nós temos, composto por um ancestral que uniu sons quase que inteligíveis da região e formatou uma letra no mínimo inusitada. Qualquer nascimento, casamento, ocasião especial, canta-se esse hino.
Minha formação primária e secundária foi toda em Escola Pública, no Cape-UERJ, escola que me deu a base de saber olhar além.
JP – Qual é a sua formação? Quando se deu o seu interesse pela música?
Eu me formei em Jornalismo pela PUC-Rio. Embora como boa geminiana tenha cursado ao mesmo tempo as faculdades de Comunicação da UFRJ, Música da UNIRIO, e Comunicação na PUC, acabei optando pela formação nessa última. Apaixonei-me ali pelo audiovisual, inclusive. Eu sempre trabalhei com música, desde os 12 anos, quando já me apresentava em casas de show com composições próprias. Mas foi na faculdade de comunicação que comecei a misturar música e imagem, e a forjar a minha carreira de compositora de trilha sonora.
JP – O que é ser uma produtora musical? Quais as funções?
Eu sou compositora. A produção musical vem em um segundo passo. De realizar as minhas composições. E então, começo a entender o que é necessário em um arranjo, que sonoridade quero imprimir, que tipo de estilo e acabamento posso agregar… a produção musical é uma construção de realização. O primeiro momento pra mim e o mais sagrado é o da criação. E ambos seguem juntos , porque a arte, no caso a música, só ganha forma e se materializa quando conseguimos traduzir o processo criativo e fazê-lo acontecer como produto, como algo tangível.
JP –Existe diferença em criar trilhas sonoras originais para televisão, cinema e teatro, ou não?
Existem diferenças nas linguagens. A televisão, sobretudo os canais abertos, demandam uma entrega mais imediata. Você lida com urgências, com uma dedicação exclusiva. O cinema te permite mais tempo de entrega, de descoberta. No cinema tem uma sensação também maior de time, de equipe. E o Teatro é a maravilha de estar em cena, digo, mesmo que não havendo música ao vivo, a trilha é personagem no palco junto com o ator, dando as bases sonoras para que a magia aconteça. Mas todas as linguagens têm a mesma essência criativa.
JP – Por que você considera o longa Torre das Donzelas um divisor de águas na sua carreira?
Torre das Donzelas é dirigido pela minha querida parceira Susanna Lira. Foi o filme que me trouxe para o protagonismo de ser uma compositora de música pra cinema. É um filme forte, agudo, transgressor. E estar à frente da música dele, sobretudo em se tratando de um documentário, ou seja, linguagem em que a música tem que ser cirúrgica, cuidadosa, foi me fortalecendo como profissional e me dando licença para chegar com autoconfiança no mercado.
JP – Qual é o lugar ocupado pelas mulheres na composição de trilhas sonoras originais para filmes? Elas têm ocupado um lugar cada vez mais importante, ou você é uma exceção à regra?
Há mulheres chegando. Não quero me taxar como exceção. Até porque, como ainda somos desbravadoras de espaços criativos, cada qual já se sente à margem o suficiente para assumir um rótulo assim. Conheço algumas mulheres que têm conseguido assinar trabalhos, com protagonismo, com nome cheio nos créditos iniciais. Mas somos poucas. É preciso seguir abrindo esse espaço.
JP – Na área de composição de trilha sonora original, tem algum profissional que você admira? Qual é a sua trilha sonora de cinema preferida? Há referências nessa área?
Desde que sou pequena me recordo de cantarolar os temas de John Williams, um ícone. Sou fã de Alberto Iglesias, compositor dos filmes de Almodóvar, de Nicola Piovani, super compositor italiano… mas minha grande admiração é por Ryuichi Sakamoto, grandíssimo compositor de música pra imagem, com temas inesquecíveis.
JP – Como foi criar a trilha de som para o filme Polacas? Você sendo mulher e judia te aproximou mais da temática do filme?
Criei a trilha musical do longa metragem. O som foi feito por Bernardo Uzeda, aliás, um super profissional e parceiro. Mas no que diz respeito à música, claro que o tema dizia muito pra mim. Enquanto mulher, enquanto judia, estar vinculada a uma ancestralidade comum. Eu resolvi colocar na trilha mulheres entoando um tetragrama sagrado da tradição judaica, que é algo como tudo impronunciável. Chama-se YHVH, um dos nomes de D’us. E achei por bem fazer com que vozes femininas o entoassem, nesse movimento de traduzir musicalmente algo que é inviolável. O sagrado nessas mulheres, ainda que sofrendo todas as violências, não se perde, ele resiste. E assim a música original foi se desenvolvendo. Gravei com orquestra, descobri um instrumento super interessante, o bandocello, que traduzia pra mim a intervenção entre o Rio Antigo e a deturpação dessa cidade pela exploração dessas mulheres. Um universo muito amplo musical está ali no filme.
JP – Quais são os seus projetos futuros? E, para finalizar, deixe uma mensagem para aqueles que estão se interessando em caminhar pela estrada da música.
Estou compondo a música original do novo longa metragem da Rosa Svartman, de quem sou muito fã. Muito alegre com essa parceria e o vislumbre de que vem um belíssimo filme por aí. Também estou produzindo a música do filme Tudo por um PopStar 2, baseado na literatura de Thalita Rebouças, com inúmeros momentos musicais importantes. Estou fazendo a trilha de um documentário sobre Fernanda Young para a GNT, também estreando para este mesmo canal uma série chamada Pecados Revelados. Começando a compor para um filme de Jorge Bodansky… muitos projetos bacanas que tenho podido somar com música original e produção musical. Um momento potente de abertura de mercado para a música no audiovisual, sobretudo com a retomada da indústria cultural e o entendimento de que música é parceira, é linguagem, tão importante quanto as demais e quando estamos em time, tudo acontece de forma muito mais duradoura. O recado é que quem queira trabalhar em música pra imagem, estude, priorize formação, porque é um ofício, precisa ser valorizado e estamos profissionalizando este mercado.