
Estreou Caio do Céu no teatro do CCBB-RIO 2.
O espetáculo está inserido no 31 Porto Alegre em Cena, Festival Internacional de Artes Cênicas.
A realização do espetáculo é da Companhia de Solos & Bem Acompanhamentos.
O conjunto de textos é de autoria de Caio Fernando, a partir da seleção de Deborah Finocchiaro, com a colaboração de Luís Artur Nunes. O roteiro é da própria Deborah.
O texto – costurado a partir de vozes femininas, crônicas, cartas , contos, poemas, textos teatrais, músicas e projeções –
é poético, musical, filosófico, literário e reflexivo, nos apresenta a visão de Caio Fernando Abreu, artista cujo tema central da sua obra é uma profunda reflexão sobre a condição humana de estar vivo. Diversos temas presentes em sua produção são tratados no palco como Deus, paz, solidão, caos, desordem, juventude/ envelhecimento, espiritualidade, dignidade, amor, energia, HIV, finitude da vida, entre outros. Todos esses assuntos são abordados de forma poética, suave, e musical, dando ao texto uma leveza e suavidade singulares.
O texto mostra como Caio trouxe para o seu texto aqueles que não deram certo, os náufragos, os excluídos, como homossexuais, meretrizes, porteiros, esfarrapados , entre outros. Em suas produções, eles se tornar luz e ganham centralidade.
Ademais, explora a relação de Caio com a doença, que ele encarou de frente e com energia. Ele foi uma das vítimas do vírus da AIDS numa época em que ainda não existia os medicamentos antirretrovirais, e a finitude da vida para aqueles que contraíam o vírus era uma verdade a ser enfrentada. E ele enfrentou! E o texto trata o assunto da iminência da morte com sensibilidade e profundidade. Inclusive foram exibidas projeções de vídeos de Caio comentando sobre o estar com a doença e a sua relação com a mesma. Momento de forte emoção!
Deborah Finocchiaro e Kiti Santos têm uma atuação notável. Elas estão juntas e misturadas, sintonizadas e ajustadas, demonstrando uma harmonia nota dez. Elas interpretam com uma técnica perfeita, e associam a emoção. Elas sensibilizam a plateia que se faz presente para assistir a bela encenação. Elas apresentam um domínio correto do texto, passando com clareza e sensibilidade, e do palco, realizando uma intensa movimentação e dominando a ribalta. As atrizes interpretam, emocionam, cantam, tocam instrumentos, se envolvem no conjunto de panos brancos presentes ao fundo do palco, sobem na mesa, entre outras ações. Uma complementa a outra.
O texto se constitui numa qualitativa reinterpretação e ressignificação da produção de Caio por meio da atuação digna de louvor das duas atrizes.
Como já mencionado, as atrizes manejam e tocam bem os instrumentos, produzindo uma sonoridade agradável e dando vida e dinamismo ao espetáculo. Deborah Finocchiaro atua e toca violão. Por sua vez, Kiti Santos atua e toca violoncelo, flauta, teclado, pandeiro e tamborim. Texto e música estão associados.
A direção é de Luis Artur Nunes que focou no texto, e deixou as atrizes a vontade no palco para realizarem as corretas interpretações dos seus personagens.
Os figurinos criados por Antonio Rabadan são de bom gosto, criativos, imperam tons pastéis, sobretudo variações de cinza, apresentam uma leveza que permite as atrizes balançarem as suas saias, bem como facilita a movimentação das mesmas pelo palco e a realização de movimentos e gestuais mais bruscos.
A cenografia apresentada é simples e correta. De um lado vemos uma mesa e cadeira utilizadas pelas atrizes, e de outro lado um teclado e instrumentos musicais como violoncelo, flauta transversa, pandeiro e tamborim. Ao fundo, um conjunto de pedaços de tecido branco longos presos ao teto formam a tela de projeção, onde são exibidas diversas imagens, e entrevistas concedidas por Caio Fernando Abreu. O artista se faz presente no espetáculo, ao visualizarmos a sua imagem e as suas respectivas falas que deixam transparecer a forma como ele pensava. As artistas também interagem com o tecido branco.
A iluminação criada por Leandro Roos Pires é criativa e bonita, imperando um palco predominantemente escuro, e o foco de luz sobre as atrizes, realçando as suas interpretações. Em alguns momentos, a projeção das imagens na tela branca funciona como a iluminação, numa simbiose entre a atriz e a luz projetada, produzindo um belo efeito.
A trilha musical do espetáculo apresenta canções relacionadas com o conteúdo da peça, e melodias poéticas e românticas.
Caio do Céu é um espetáculo que traz para o palco o universo de Caio Fernando Abreu, num texto poético e emotivo; apresenta uma dupla de atrizes que tem uma atuação potente e digna de louvor, interpretando corretamente e emocionando; e figurinos, cenografia e iluminação de qualidade e adequados ao projeto da peça teatral.
Excelente produção cênica!